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67 Anos de Vida do CNH: Náutica no Bar sobre “A Marinha em Operações Fora de Área” – Capitania do Porto da Horta associou-se ao Clube

- “As Missões Cooperativas em África” e “As Missões de Combate a Pirataria na Somália” foram abordadas na noite deste sábado, 27, no Salão Bar do CNH, pelo Comandante e Imediato da Corveta “João Roby”.


A assistência ouviu atentamente os intervenientes e colocou questões. O Secretário dos Assuntos do Mar, Fausto Brito e Abreu, foi um dos que quis saber mais informações

No âmbito das relações cordiais e de parceria há muito existentes entre a Marinha Portuguesa e o Clube Naval da Horta (CNH), a Capitania do Porto da Horta associou-se às Comemorações evocativas do 67º Aniversário deste Clube – oficialmente criado a 26 de Setembro de 1947 – cujas actividades tiveram início no dia 14 do corrente e terminam a 4 de Outubro próximo com um Jantar festivo, no decorrer do qual serão entregues Prémios a atletas de várias Secções do CNH, no seguimento da realização de diversas Provas.

Um dos pontos altos deste programa foi a Náutica no Bar, que decorreu na noite deste sábado, dia 27, e que teve como foco “A Marinha em Operações Fora de Área”. Neste contexto, foram abordadas duas temáticas: “As Missões Cooperativas em África”, pelo Capitão Tenente António Mourinha, Comandante do NRP “João Roby” e “As Missões de Combate a Pirataria na Somália”, pelo 1º Tenente Luís Guerra, Oficial Imediato do NRP “João Roby”.

João Duarte, Vice-Presidente do Clube Naval da Horta (CNH) começou por dar as boas-vindas à assistência e disse que, apesar das diversas origens, havia ali um denominador comum, que era o facto de todos estarem associados ao mar. Por seu turno, o Capitão do Porto da Horta, Comandante Diogo Vieira Branco, também agradeceu a presença daqueles que tinham aceitado o convite para estarem presentes neste evento, tendo feito uma apresentação sucinta dos oradores. Entre outros aspectos, o Capitão Tenente António Mourinha já andou embarcado em diversos navios, desde 1990, tendo participado em 3 missões de cooperação técnico-militar. Relativamente ao 1º Tenente Luís Guerra, também já esteve embarcado em diversos navios, destacando-se a sua participação em 2 missões de combate à pirataria. Ambos partilharam as suas experiências pessoais e profissionais no âmbito das temáticas apresentadas.


Coube ao Vice-Presidente do Clube Naval da Horta, João Duarte, e ao Capitão do Porto da Horta, Comandante Diogo Vieira Branco, como promotores desta iniciativa, darem as boas-vindas aos presentes na Náutica no Bar, realizada este sábado, dia 27 de Setembro

O Capitão Tenente António Mourinha foi o primeiro a falar, tendo afirmado que era um prazer fazer parte desta iniciativa. Começou por explicar que missões fora de área são aquelas que se desenvolvem fora da Zona Económica Exclusiva (ZEE) e da área que está confinada à Marinha.

O que é a APS?
Este orador dissertou sobre a missão Africa Partnership Station (APS – Estação de Parceria África).

A APS é uma iniciativa internacional desenvolvida pelos EUA com o apoio de parceiros internacionais, visando melhorar a segurança marítima em África como parte de um programa de Cooperação em Segurança.

Trata-se de um programa estratégico, projectado para desenvolver as habilidades, experiência e profissionalismo dos africanos militares, guardas costeiras e marinheiros. Esta missão é inspirada pela crença de que a segurança marítima eficaz contribui para a prosperidade económica e de segurança em terra. Para lidar com cada uma dessas questões com sucesso, os parceiros devem trabalhar em conjunto com um propósito comum.

A segurança dos mares é essencial para a segurança global. Existe uma relação entre a segurança do mar e a capacidade dos países para governar as suas águas, fazendo com que haja prosperidade, estabilidade e paz. Os oceanos são um elo comum entre as economias e os países de todo o mundo. É preciso ter em atenção que 70% do globo é água, 80% da população mundial vive em zonas de costa ou perto desta e que 90% do comércio mundial é transportado no oceano. Nações individuais não podem combater sozinhas, problemas e crimes marítimos. Nesse contexto, a APS é uma resposta directa ao crescente interesse internacional no desenvolvimento de parcerias marítimas.

A APS não está limitada a um navio ou plataforma, nem as suas actividades são apresentadas apenas em determinados momentos. O programa desenrola-se de muitas formas, incluindo visitas a navios, equipas de treino e projectos de construção, entre outras. A Africa Partnership Station faz parte de um compromisso de longo prazo por parte de todos os países participantes e organizações da África, Estados Unidos, Europa e América do Sul .

O objectivo é melhorar a capacidade dos países envolvidos para estender o império da lei dentro de suas águas territoriais e zonas económicas exclusivas e melhor combater a pesca ilegal, tráfico de seres humanos, tráfico de drogas, roubo de petróleo e pirataria .


Entre outros aspectos, o Comandante do NRP “João Roby", António Mourinha, partilhou com a assistência algumas das suas experiências pessoais vividas em África

A primeira implantação APS foi de Novembro de 2007 a Abril de 2008. Entre os países visitados encontravam-se Senegal, Togo, Gana, São Tomé e Príncipe, Camarões, Libéria, Gabão e Guiné Equatorial.

A missão APS tem continuado no terreno, ano após ano, e em 2009 revestiu-se de uma imagem internacional, com militares da Nigéria, Camarões, Senegal, Gana, Gabão, Itália, Portugal, Cabo Verde, Serra Leoa, Togo, Guiné Equatorial, Quénia, Reino Unido, França, Alemanha, Espanha, Dinamarca, Malta e Brasil. Neste ano, a APS expandiu a sua missão para Sul e Leste da África, ao visitar países como Moçambique, Tanzânia e Quénia.

Segundo o Capitão Tenente António Mourinha, a APS nasceu depois da estratégia americana criada em 2007 e trouxe conceitos inovadores. Até ali, vigorava a visão do Capitão Mahan, que defendia que os países para assegurarem o comércio, tinham de possuir uma marinha forte para controlar o mar. Essa visão foi mudada em 2007 por duas razões: em primeiro lugar, por causa da Guerra Fria, pois sem guerra não fazia sentido haver uma estratégia militar; e em segundo, devido ao 11 de Setembro de 2001, em que foi operada uma mudança radical do mundo para os americanos, que passaram a combater um inimigo sem rosto. Em 2003, surge uma nova estratégia: trazer os países excluídos para o desenvolvimento comercial, mudança que o Pentágono e a Marinha Americana reconheceram não estarem preparados para encarar.

A APS foi uma das primeiras missões que procurou dar corpo à nova estratégia marítima: criar desenvolvimento num espaço de exclusão, tendo em conta que grande parte dos problemas que aconteciam na Europa, como pirataria, tráfico de droga e humano, terrorismo e problemas para o comércio, vinham das zonas limítrofes desses mundos. “Os problemas do espaço de exclusão acabam por afectar o núcleo de funcionamento dos outros. E se não exportarmos segurança para eles, eles exportam os seus problemas para os outros”, sublinhou o orador.

“Os americanos começaram por realizar diversas conferências em África, mas a sua entrada em Angola sempre se revelou difícil devido à desconfiança que este povo tem em relação aos americanos, o que se explica por causa da Guerra Fria”, referiu o Comandante do NRP “João Roby”, acrescentando que “o objectivo dessas conferências foi implantar a estratégia de segurança americana, passando a mensagem aos parceiros africanos, euroatlânticos e brasileiros”.

Pela primeira vez, os 3 serviços marítimos dos EUA – Marines, Guarda Costeira e Marinha – subscreveram a estratégia americana, concordando em enviar mais navios para países africanos a fim de potenciar formação, incidindo em quatro pilares:

- Formação e treino
- Construção de infra-estruturas (como por exemplo, o Centro que foi montado pelos americanos em São Tomé e Príncipe)
- Conhecimento do domínio marítimo
- Actividades de relacionamento com as populações (tais como construção de pontes, orfanatos, etc).

No decorrer da missão APS era dado treino a militares, polícias e civis, em áreas como hidrografia, oceanografia ou fiscalização da pesca, esta última aquela em que António Mourinha é um expert.

A APS constituiu uma oportunidade única para várias agências e organizações não-governamentais da África, Estados Unidos e Europa trabalharem em conjunto.

Decorrendo esta missão tipicamente em navios, o que não requer uma base permanente em África, pode ser vista como uma universidade móvel, deslocando-se de porto em porto. Nesse sentido, “houve estagiários de vários países que vieram treinar connosco em terra e no mar”, lembrou António Mourinha.

O Comandante da Corveta “João Roby” afirma que “em 2007 os americanos ainda estavam a apalpar terreno” no que diz respeito a esta estratégia.

“O objectivo de Portugal ao participar nesta missão foi recolher informação e know-how”, salienta o orador.

Paz e segurança, estabilidade regional, prosperidade económica e emprego e oportunidades, são algumas das recompensas da missão APS.

Como pontos fortes, são apontados vários, entre eles:
- Conhecimento crescente dos países visitados em termos de necessidades de treino e equipamento
- Actividades de apoio comunitário e doações
- Actividades de apoio médico
- Actividades de treino dos Marines
- Actividades de âmbito académico
- Projecto de “trainees” embarcados (militares embarcados)
- Relações Públicas
- Grande disponibilidade financeira (os americanos davam um subsídio diário aos africanos para incentivá-los a aderir às iniciativas, o que lhes agradava e que fazia com que participassem).

No que concerne a fragilidades, a APS deparou-se com:
- Actividade de formação e treino de componente marítimo
- Formação e treino dos “trainees” embarcados
- Necessidade de tradução para os formandos anglófonos
- Concentração de formação e treino num período curto
- Tamanho do staff embarcado
- Aparente falta de confiança nos parceiros internacionais
- Dificuldade cultural dos americanos no relacionamento com os africanos
- Plataforma utilizada (navio com 40 anos, antigo que não estava bem equipado, não tinha helicóptero nem mergulhadores a bordo) - Medidas de segurança portuária (o navio tinha muitos contentores a bordo o que afastava o contacto com a população local)
- Falta de acompanhamento permanente dos países apoiados.

Entre as várias vantagens da APS para a América, está a aproximação político-diplomática a Países Africanos e a presença e influência crescente numa zona estratégica de África.

Relativamente às vantagens para Portugal, são exemplos:
- Fortalecimento das nossas relações com a Marinha Americana, uma vez que temos presença frequente nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) para ajudar a desenvolver a capacidade militar destes países
- Possibilidade de coordenação com a Cooperação Portuguesa na aplicação dos recursos da APS
- Conhecimento dos problemas e das actividades nesta área do Globo (os franceses são os que melhor os conhecem e permanecem lá) - Possibilidade de estreitar laços com algumas Marinhas Africanas/Países Africanos
- Conhecimento operacional e estratégico da região
- Divulgação da Marinha Portuguesa e de Portugal
- Presença numa área de interesse estratégico para Portugal.

No entender deste conselheiro da missão APS “este é um espaço estratégico onde Portugal deve estar presente”.

O último ponto da abordagem do Capitão Tenente António Mourinha prendeu-se com impressões pessoais desta missão.

Sendo a caça submarina uma actividade lúdica para este português, o mesmo teve oportunidade de revelar os seus dotes culinários, tendo feito peixe assado. Embora o cozinheiro de serviço inicialmente não tenha apreciado esta intrusão, uma vez que os americanos só comem peixe como filetes, a verdade é que no fim todos exibiram, orgulhosos, o prato, que foi muito apreciado.

António Mourinha também deu o seu apoio na Direcção Regional da Fiscalização da Pesca e visitou uma aldeia de pescadores no Gana, que “era muito pobre”.

Viveu experiências nos Camarões (que têm esta designação precisamente pela abundância deste marisco), fez amigos no Gana, Senegal, nos Camarões e com brasileiros. Embrenhou-se na floresta tropical, constatou “in loco” a normalidade que é os homens andarem de mão dada (contrariamente ao que é aceite em relação às mulheres), apercebeu-se de que as tribos na Nigéria fazem pirataria, conviveu com formandos de Cabo Verde que se encontravam embarcados e ficou a observar o contentamento das crianças, para quem as latas de sardinhas constituíam um brinquedo, contrariamente às nossas que só querem tecnologias, e mesmo assim, demonstram-se muitas vezes insatisfeitas com estas modernices.


O 1º Tenente Luís Guerra, Oficial Imediato do NRP “João Roby”, falou da sua experiência no combate à pirataria na Somália

Somália: país sem lei
O 1º Tenente Luís Guerra, Oficial Imediato do NRP “João Roby”, que participou em missões nos anos de 2009 e 2010, abordou o tema “As Missões de Combate à Pirataria na Somália”, um país com uma população composta por várias etnias, que há décadas lida com a ausência de um governo central forte e enfrenta conflitos internos severos entre senhores da guerra e outros grupos armados. Entre 1991 e 2012, o país ficou sem um Parlamento e um governo central articulado, o que contribuiu para que regiões inteiras fossem ao caos da insegurança e falta de estrutura.

A pirataria teve a sua era de ouro nos mares internacionais entre os séculos XVI e XVII. Era uma actividade extremamente lucrativa e, em grande parte, ilegal, já que apenas os corsários tinham autorização dos seus governos para atacar e saquear navios de nações inimigas. Quatro séculos depois, os piratas voltaram ao activo e muitos, piratas e mandantes, ganharam grandes quantias de dinheiro.

Após a segunda fase da Guerra Civil na Somália, em 2005, os actos de pirataria nas costas deste país recrudesceram e transformaram-se lentamente num negócio lucrativo, dominado por “Senhores da Guerra” locais sem nenhuma base jurídica, moral, ou ética. Na sequência da transformação da Somália num Estado falhado, sem lei, ou ordem, onde impera o caos absoluto, fruto da luta fratricida de uma sociedade dividida em clãs rivais, algumas frotas pesqueiras internacionais, sem escrúpulos, depredaram o mar territorial e a Zona Económica Exclusiva (ZEE) da Somália, reduzindo o stock de peixes na zona e colocando em causa a eventual subsistência de elevadas camadas da população local. No mesmo período, outro tipo de navios aproveitando-se do vazio de poder criado, despejaram lixo tóxico nas águas da Somália. Existem relatos que evidenciam actos praticados por petroleiros que, aproveitando a ausência de fiscalização, lavaram os seus tanques ao largo desse país, em flagrante violação do Direito Internacional, poluindo de forma grave a área, o que pode ser considerado um autêntico crime ambiental contra a população somali e contra o mundo inteiro.

Os primeiros actos de pirataria foram cometidos por forças irregulares de pescadores somalis a navios de pesca em águas territoriais e seguiram uma agenda nacionalista e de defesa dos seus recursos e espaço natural que, embora não justificadas pelo Direito Internacional, podiam colher a compreensão e até alguma simpatia da maior parte das pessoas. No entanto, essa reacção inicial quase que legítima, rapidamente se transformou num negócio lucrativo, por via das avultadas somas de dinheiro, pagas pelos resgates de navios e tripulações, sem nenhum objectivo político, ou defensivo, tendo-se estendido os ataques a toda a navegação mercante na zona, inclusive a áreas muito afastadas, dentro do Oceânico Índico e Golfo de Adem.

Convém lembrar que a pirataria não é um fenómeno exclusivo da Somália, mas que infelizmente se generalizou nas costas de Estados falhados, cuja definição não é clara, mas envolve a total ou parcial incapacidade de um estado em manter princípios básicos de sua soberania, tais como garantir a segurança da população, manter as suas fronteiras protegidas, oferecer serviços básicos e garantir a aplicação interna das leis e da ordem. Sem esses requisitos, a Somália transformou-se num dos paraísos da pirataria.

Relativamente às origens da pirataria na Somália, o 1º Tenente Luís Guerra disse que nos anos 70 e 80 era uma actividade apenas à escala de criminosos locais, que nunca actuavam a mais de 22 kms da costa. Nos anos 90, actuavam como “guarda costeira”, e em 2004, assiste-se a uma reviravolta, passando a sequestrar navios mercantes de todo o mundo. “Trata-se de um território que funciona como depósito de resíduos perigosos, onde se encontra urânio radioactivo e uma população assustada com doenças. É visível pobreza, falta de emprego, problemas ambientais, redução de recursos e instabilidade”, sustenta este militar.

É importante reflectir também na população da Somália e nas suas motivações para os actos de pirataria. Um país devastado por uma guerra civil interminável, em que se deu por completo a falência do Estado, constitui uma fonte inesgotável de recrutamento de jovens quer para actividades paramilitares de clãs, quer para a pirataria.

Um acto singular de pirataria pagará aos participantes o suficiente para poderem sustentar o resto da vida a sua família e, como tal, são vistos localmente como heróis, colhendo o apoio da maioria da população que, no seu desespero, considera legítima essa actividade. Convém também recordar que os piratas na Somália atacam os próprios navios do programa da ONU, para a ajuda alimentar à Somália, pondo em risco esse programa que tem salvo milhares de vidas do povo somali. Por causa destes ataques, essas embarcações de ajuda humanitária têm de ser escoltados permanentemente por navios de guerra a fim de conseguirem descarregar na costa da Somália esses produtos alimentares da ajuda internacional.

Esses ataques, actos inaceitáveis de pirataria à luz do Direito Internacional, contra todo o tipo de navegação mercante, corroem o princípio basilar da liberdade dos mares e da livre circulação de bens e mercadorias por via marítima. Como consequência destes actos, muitos inocentes são feitos reféns por largos períodos de tempo, chegando mesmo alguns a perder a vida.

Face à posição geo-estratégica da Somália, os actos de pirataria a partir deste país têm afectado profundamente um dos corredores mais importantes e vitais para a economia global, que é a rota Índico-Atlântico através do estreito de Adem – Canal do Suez. E esse facto tem grande impacto global, pois representa um risco para a segurança internacional e, principalmente, porque ameaça as actividades comerciais numa rota marítima valiosa. De acordo com um relatório da ONU sobre drogas e crime, que analisou a situação do Djibouti, Etiópia, Quénia, Seychelles e Somália, a pirataria custa à economia global cerca de 18 mil milhões de dólares por ano no que diz respeito ao aumento dos custos do comércio. O surto de pirataria também reduziu a actividade marítima no Chifre da África, prejudicando o turismo e a pesca nos países do leste africano, desde 2006.

União no combate aos piratas
Os ataques não só têm colocado em perigo o normal abastecimento de combustíveis dos Países Ocidentais, assim como as trocas comerciais entre o Ocidente e a Ásia. Em resultado do perigo real que esta ameaça representa para a economia global, pela primeira vez, uma coligação de países muito alargada e historicamente antagonistas, enviou para a zona da Somália navios de guerra para controlarem e conterem este fenómeno preocupante, de forma totalmente cooperante.

A Rússia, a China, os países da NATO (Portugal incluído), a Índia e a Austrália entre outros, contribuem activamente com navios de guerra no combate à pirataria marítima, no que é percebido por todos como uma elevada ameaça global.

Para se perceber a importância desta ameaça, é necessário ter em mente que 90% de todos os produtos transaccionados o são por via marítima. Os custos, quando comparados com os do transporte terrestre, ou aéreo, são quase negligentes, tendo um impacto insignificante no preço final do produto, de cerca de 1%. É precisamente a liberdade dos mares à livre circulação de mercadorias e produtos, o seu baixo custo de transporte e o acesso global, que veio permitir o desenvolvimento de uma economia à escala mundial e que constitui o pilar do desenvolvimento actual. São os laços que se estabeleceram nos últimos 20 anos, em resultado dessa economia global, fortalecidos através de uma elevada interdependência entre todos os actores e agentes económicos desse processo, que tornarão quase impossível um conflito de larga escala no futuro, contribuindo assim para um mundo mais pacífico e partilhado.

Caracterização dos piratas e da sua actuação
Em termos de caracterização, os piratas da Somália tinham entre 16-46 anos de idade, sendo ex-pescadores e ex-polícias, que se dedicavam a esta actividade pelo dinheiro, sem razões ideológicas.

Os clãs, sob as ordens de senhores da guerra locais, viram neste fenómeno uma nova forma de se financiarem e prosseguirem as suas agendas de poder que tanta disrupção, fome, miséria e sofrimento trouxeram ao povo somali. Rapidamente transformaram os pescadores em verdadeiros piratas, sem escrúpulos, enviando-os mar adentro, em acções ofensivas e ousadas sob a égide do lucro rápido e fácil.

Luís Guerra referiu que, “primeiro, o reconhecimento dos piratas a longa distância tornava-se difícil. Mas, depois, os barcos passaram a ser reconhecidos pelo uso de escadas de abordagem, grandes quantidades de combustível a bordo, exibindo motores fora da borda de água para alcançarem maior velocidade. Como a Marinha actuava mais na costa, passaram a afastar-se para fora, até às 200 milhas”.

No que se refere ao Modus Operandi, apresentavam-se em grupos de 3 pequenas embarcações com motor de bordo e 3 a 5 atacantes por embarcação. Faziam muitos disparos causando grande número de estragos não tanto com o intuito de matar mas, sim, de assustar, e usavam embarcações sequestradas como navios-mãe a fim de reabastecerem em alto mar, a 170 kms de costa. Eram persistentes no ataque e uma vez a bordo continuavam a disparar, estando sob o efeito de khat (erva estimulante, que causa euforia e excitação).

“O facto de usarem navios mercantes como navios-mãe – o que lhes permitia levarem mais combustível e mantimentos – e a distância a que operavam da costa, inicialmente não levantava suspeitas sobre o facto de se tratar de navios pirata”, sublinha o Oficial Imediato da Corveta “João Roby”, acrescentando que “mais tarde descobriu-se que havia organizações internas a auxiliá-los neste tipo de pirataria”.

De acordo com o relatório da ONU já referido, os mais ricos financiavam as actividades criminosas em troca de lucros entre 30% e 75% dos valores dos resgates, enquanto os piratas que abordam os navios ficavam com menos de 0.1% do total. Os poderosos costumavam receber entre 30 mil a 75 mil dólares por navio invadido.

“Sempre que viam militares, os piratas atiravam as armas ao mar. A arma preferida era a Kalashnikov, que mesmo enferrujada e mal-tratada, continuava a disparar”, constatou Luís Guerra.

Durante a missão, este português reparou que “num campo típico de piratas, o que mais se via eram skiffs (barcos) e armas”. E frisa: “Os Toyota Land Cruiser que utilizavam, contrastavam com a pobreza daquela área”.

Alguns moradores apreciaram o efeito “rejuvenescedor” que a presença dos piratas estava a gerar, os quais gastavam dinheiro e abasteciam-se na costa local, o que estava a ser naquelas cidades tão empobrecidas, sinónimo de empregos e oportunidades onde antes não existia nada. Vilarejos inteiros foram transformados em cidades que experimentaram um crescimento demográfico exponencial, com possibilidade de acesso a artigos até ali inacessíveis e considerados como luxo.

Ironicamente, “os piratas davam melhores condições à população do que o governo, com a construção de edifícios e a possibilidade de formação”, realça o 1º Tenente Luís Guerra, garantindo que “em cerca de 2 anos, estas missões conseguiram acabar com a pirataria na Somália”.

Antes de 2009, a postura em relação aos piratas capturados consistia em identificá-los, tirar fotografias e retirar-lhes todo o material. Posteriormente, também foram registados os números de série das embarcações e assinaladas com tinta vermelha, o que facilitava a sua identificação posteriormente.

Depois de 30 de Outubro de 2009, a República das Seychelles começou a ficar com os piratas. Com a destruição das embarcações usadas por eles, houve uma redução do número de skiffs.

A dimensão da área de intervenção versus o número de militares, bem como a falta de informação, foram limitações desta missão. No combate à Pirataria na Somália foram implementadas várias medidas, entre elas o facto de os atuneiros terem passado a usar armamento de guerra.

No que refere às Operações Anti-Pirataria, em Janeiro de 2009 passou a haver controlo do tráfego de armas, pessoas, drogas e combate à pirataria.

Em Dezembro desse ano, a União Europeia pôs em marcha a Operação Atalanta com navios mercantes, o que foi sinónimo de uso da força, mas com poucas baixas.

A Operação Atalanta, desenvolvida em coordenação com várias forças e países, era de natureza militar e tinha como objectivos dar protecção aos navios do Programa Alimentar Mundial (PAM), que entregam ajuda alimentar às pessoas deslocadas na Somália; proteger navios vulneráveis que navegavam ao largo da costa somali, bem como a dissuasão, prevenção e repressão dos actos de pirataria e assaltos à mão armada ao largo da costa da Somália (que, para termos uma ideia, ocupa uma área do tamanho do Mediterrâneo).

Para mais informações clique em Náutica no Bar