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ARC Europe 2019 - Rui Simões Silva, ‘skipper’ do “Attitude”: “Marina da Horta deveria ser a mais importante do país no sentido de recepção atlântica”
Na fotografia: Vanda Silva, Rui Simões Silva, Anton Herbic e João Pedrosa, na comemoração de mais uma vitória
“A nossa chegada ao Faial foi brilhante”
Atravessar o Atlântico nos dois sentidos, era um sonho acalentado há anos por Rui Simões Silva, ‘skipper’ do único barco português a fazer a ARC Europe 2019. E conseguiu! O “Attitude” – de cuja tripulação fazem parte João Pedrosa, velejador de Cascais, e Anton Herbic, um amigo (holandês) do ‘skipper’ – chegou à Horta cerca das 21 horas do dia 26 de Maio.
Apesar de velejar desde os 12 anos, este português (de Lisboa) revela que esta foi a sua estreia no que toca a travessias atlânticas.
Da direita para a esquerda: Diogo Silva, Rui Simões Silva (pai e filho) e dois amigos: Valadez e Felisberto
Antes desta viagem que o trouxe pela primeira vez de barco até ao Faial – conhece todas as ilhas dos Açores – Rui e o filho (Diogo) tinham feito a outra parte do Atlântico, saindo das Canárias para Santa Lucia. A largada da ARC Europe 2018 aconteceu a 25 de Novembro último e 18 dias depois, a 13 de Dezembro, chegava a Santa Lucia. “Percorremos as Caraíbas todas até à saída para a Bermuda, com a ARC Europe 2018”, memora Rui Simões Silva na entrevista concedida ao Gabinete de Imprensa do Clube Naval da Horta (CNH).
Atendendo aos compromissos profissionais do filho, o ‘skipper’ teve de escolher um novo tripulante para fazer este lado do Atlântico e convidou um ex-colega de trabalho (Anton Herbic).
“A nossa chegada – tive de pôr o motor a 2 horas daqui – ao Faial foi brilhante! Estava um fim de tarde lindo, muito bom tempo, com mar calmo e uma bela vista do Pico. Vi golfinhos – que ladeavam divertidamente o barco – e uma baleia. Nunca tinha visto uma baleia assim tão perto de mim, no mar. Nunca vi tanta riqueza marinha como aqui: baleias, golfinhos, alforrecas, a caravela portuguesa e também pássaros. Já fui a muitos lugares mas nenhum tinha tanta diversidade como aqui. Nos Açores, ainda há muito pouca poluição. Seguramente, os Açores ainda estão preservados, ao contrário das Caraíbas, onde vi muito sargaço. Uma coisa horrível!”
“Demorámos 11 dias até aqui”
Rui Simões Silva: “Tínhamos todos alguma experiência mas ficámos surpreendidos com a resistência do barco à adversidade do mar e das ondas”
Rui Simões Silva descreve como decorreu esta 2ª etapa da ARC Europeu 2019, que liga a Bermuda ao Faial: “Tivemos duas noites complicadas. Quando saímos da Bermuda havia pouco vento, o que nos obrigou a usar algum motor. A seguir, entrou uma frente e começámos a andar muito bem. Demorámos 11 dias até aqui. Nos dias 6, 7 e 8 houve muito vento e uma vaga desencontrada, o que criou tensão e obrigou a um grande esforço por parte da tripulação, sendo que na segunda noite os ventos mantiveram-se constantes acima dos 30 nós. Pus 3 risos na genoa e o barco caminhava nos 10 nós pelo menos. Mesmo com tão pouca vela, a intensidade era tal, que o fazia caminhar, deslizando na onda como se fosse ‘surf’. Nessas duas noites, o barco trepidava e eu pensava: “Agora é que isto se vai partir tudo!” Tínhamos todos alguma experiência mas ficámos surpreendidos com a resistência do barco à adversidade do mar e das ondas. Tirando isso, a viagem foi tranquila”.
“Quem faz Bermuda/Horta faz qualquer travessia”
“Na Bermuda, a conversa entre os velejadores é esta: “Quem faz Bermuda/Horta faz qualquer travessia, pois há aquela percepção de que quando se chega aos Açores já se passou o mais difícil”, explica este velejador, que acrescenta, a propósito: “A verdade é que para baixo vão 300 barcos mas para cima já só vêm 20. Eu acho que isso acontece por causa da dificuldade e do medo de não conseguir chegar até aqui, pois quando se vê na televisão as notícias daquelas ondas de 10/11 metros perto dos Açores, todos pensamos: “Imagina se me toca aquilo!”
Muita gente paga a tripulações para trazer o barco, muita gente paga para o barco vir em cargueiros e muita gente fica mais um ano nas Caraíbas, o que significa que apenas 10% dos barcos sobem com as suas tripulações originais. Isto explica a dificuldade da subida.
A bordo fala-se no “Peter” e todos querem ir beber o ‘gin’ tónico, que simboliza a chegada. Todos conhecem este mítico Café”.
“Não é uma regata mas a competição está intrínseca”
A ARC distingue-se por permitir viajar em grupo, o que garante segurança, além de inesquecíveis eventos sociais em cada porto de chegada. “Esse conceito foi criado por Jimmy Cornell, um grande marinheiro que escreve livros sobre a matéria. A ideia dele consistiu sempre em juntar pessoas que queriam atravessar o Atlântico mas em grupo e todos os anos se juntavam em Novembro e 20/25 barco saíam juntos.
Não é uma regata, porque podemos usar o motor mas sim uma passagem atlântica. Contudo, o espírito competitivo está presente, tendo em conta que faz parte da natureza humana e do velejador em si. Não é uma regata mas quando um barco à vela vê outro barco à vela quer logo perceber se anda ou não mais depressa do que ele. E assiste-se a uma disputa cerrada à saída e na chegada.
A Vela já é, por si só, um desporto competitivo e embora a nossa vela [na ARC Europe] seja uma vela de prazer, de cruzeiro, na genética de toda esta gente – ex-competidores – está esse espírito subjacente, porque foram treinados para isso”.
Instado se estaria na disposição de participar em regatas no verdeiro sentido, Rui revela: “Já não estou no espírito de regata, por isso gosto destes passeios que são menos exigentes do que uma regata. Já competi muito e fiz imensos regionais. Nesta fase, não procuro isso mas sim o grupo, jantar com as pessoas, fazer amizades e a ARC proporciona muito isso”.
“Muita responsabilidade”
Sendo a ARC um ‘rally’ em que os barcos viajam juntos, as experiêncas são múltiplas e diversificadas. “Vimos todos juntos mas ao fim de 24 horas não se vê ninguém ao nosso lado. Nos 11 dias de viagem da Bermuda até ao Faial não vi um único barco. Sabemos que estão ali mas visualmente não se vê quem quer que seja. Só comecei a ver gente a 24 horas do Faial”.
João Pedrosa, Anton Herbic e Rui Simões Silva: a tripulação que fez Bermuda/Horta
Embora a Organização monitorize todas as embarcações participantes e os velejadores disponham da tecnologia necessária, a verdade é que recai sobre cada barco a responsabilidade de controlar os elementos: o estado do mar, o tempo do barco, da tripulação, etc.
“O respeito pelo mar é fundamental por parte do velejador. Uma coisa é andar num barco (snipe ou outro) à Vela no Canal, outra é pegar num barco de 25 toneladas, que transporta um equipa e está sujeito a ondas altas, a ventos fortes, a baixas e alta pressões. É preciso estar atento à saúde das pessoas a bordo, à integridade do barco, à sua manutenção. Há um comprometimento constante com a limpeza do barco para não haver contaminações, pois ele está em trabalho 24 horas por dia. Não há descanso num barco destes. Se um dorme 3 horas trabalha 3 horas; o outro lava a loiça e o terceiro faz a comida, limpa o chão, etc. Porque se ninguém limpa o barco – permanentemente exposto aos elementos – ao fim de 2/3 dias começa a ser desconfortável. Há uma obrigação de manter o barco com um ambiente saudável. Tudo isto nos deixa ocupados, o que é bom”.
E um aspecto ideal para se aprender no mar – onde “não há um dia igual ao outro” – é a “arte de conversar”. “Temos um diário electrónico e um manual, além de um ‘blogue’ diário, onde relatamos o que de mais relevante aconteceu. A ideia é fazer depois um pequeno livro para mais tarde os netos verem que o velhote andou lá nos barcos, contendo também imagens desta passagem atlântica”.
As grandes preocupações do ‘skipper’ do “Attitude” são a alteração das condições atmosféricas e a segurança das pessoas, assustando-se só de pensar no cenário mais temido e que é “homem ao mar”. “À noite fecho as capas do barco e é proibido abrir uma capa daquelas sem chamar alguém. O ‘watch’ não vai lá para fora szinho em condição alguma. Se precisar de ir, chama alguém e mesmo assim é perigoso. Os dois, em conjunto, decidem se há algo de muito importante que justifique exporem-se a esse risco”.
A Vela esteve sempre presente
Rui Simões Silva começou pelos Lusitos (não havia Optimist na altura), seguindo-se os Cadetes, Vauriens, 420 e 4.7. “Era a nossa carreira vélica ali em Algés, na antiga Direcção Regional do Desporto”, recorda, sublinhando: “Velejei muito em criança. Já adulto, comprei um barco de 24 pés e andava com a família. A minha filha com um mês já navegava.
Trabalhei 25 anos no estrangeiro a gerir empresas farmacêuticas e quando regressei a Portugal reformei-me e voltei à navegação. Tenho feito sobretudo Canárias, Mediterrâneo, Algarve, zona costeira, e desde criança que tinha o sonho de cruzar o Atlântico nos dois sentidos, o que concretizei agora”.
O “Attitude” não irá à Terceira e a Santa Maria, zarpando do Faial directamente para Lisboa, atendendo a que compromissos obrigam o ‘skipper’ a estar em casa no dia 7 do próximo mês. Mas está garantida a sua presença em Lagos para a festa final deste ‘rally’. Quando regressar a Lisboa – uma viagem que representa 900 milhas náuticas –completam-se 9 meses navegação, com muitas histórias para contar.
“Quando não tenho barco, não durmo bem”
A Vela ocupou sempre um lugar de destaque na vida de Rui Simões Silva. “Quando era jovem, encarava-a como um desporto a sério e depois passou a ser o meu ‘hobby’”. Mas assegura que não teria mudado o percurso profissional por causa desta modalidade. “Fui muito realizado na minha vida profissional. E agora que já estou reformado, dedico o meu tempo à Vela. Estou há 9 meses no barco e confesso que gostaria de fazer dele a minha casa mas tenho família e há que respeitar isso. Não me sinto cansado mas pronto para começar uma nova viagem.
A minha mulher [Vanda] costuma fazer Caraíbas, Madeira e o Mediterrâneo mas não gosta de fazer passagens atlânticas, porque fica muito receosa quando deixa de avistar terra.
Ao longo da minha vida sempre fui tendo barcos. Dizem que o dia mais feliz na vida de um velejador é aquele em que compra o barco e o dia em que o vende mas comigo não funciona assim, pois quando não tenho barco, não durmo bem e estou infeliz. Pode ser pequenino, velho, até pode ser um barco de borracha mas tenho de ter algo que ponha na água, nem que seja um motorzinho para ir pescar. Quando vivi fora, no Brasil, Argentina, Londres, etc, comprei sempre barcos. Para onde fui, tive sempre um barquinho. Acho que é por causa desta ligação genética dos portugueses ao mar”.
“Vinha aos Açores trimestralmente”
Rui Simões Silva conhece bem os Açores, tendo estado várias vezes em cada uma das ilhas, tanto em trabalho como em lazer.
“Quando comecei a minha carreira, vinha aos Açores todos os trimestres, pelo que conheço bem as ilhas todas, onde tenho amigos. Sinto-me em casa. Ainda em 2018 estive cá de férias. No entanto, com o meu barco, esta é a primeira vez que escalo o Arquipélago. Mas já saí do Faial com a “Sagres”. Fui convidado de honra da “Sagres” e acompanhei-a até Lisboa”.
“A atitude é o mais importante na vida”
O “Attitude” está prestes (é já neste mês de Junho) a comemorar o seu 3º aniversário. “Nos últimos 12 anos passei de monocasco para ‘catamaran’ por causa do conforto de navegar em família”.
Questionado sobre o nome do barco, o ‘skipper’ revela: “Eu é que escolhi este nome, porque, para mim, a atitude é o mais importante na vida. E tentei ensinar isso aos meus filhos, hoje com 35 (ele) e 29 anos (ela). Atitude é aquele pormenor que faz toda a diferença na vida da pessoa perante as adversidades e as oportunidades. O Curchill tem uma frase que diz que “a atitude é uma pequena coisa que faz toda a diferença”.
“Falta a volta ao mundo!”
“Aos 60 vou dar a volta ao mundo. Acho que é uma boa idade para isso”
E quando se pergunta a este marinheiro o que se segue, já está tudo delineado: “A volta ao mundo! Eu gostava muito!” E adianta: “Queria ver se conseguia largar em 2021. Preciso de encontrar uma tripulação-base, ou seja, pelo menos 3 pessoas que estejam disponíveis por 2 anos. Terá de ser gente reformada”.
Atendendo a que Rui Simões Silva já conhece vários países, esta volta ao mundo é encarada como “um desafio pessoal, que permitirá ver as costas, as pessoas e os lugares de outra maneira. Estou quase com 59 anos e penso: “Aos 60 vou dar a volta ao mundo. Acho que é uma boa idade para isso”.
Este velejador confessa que por vezes os filhos o acham “um pouco aventureiro demais” mas sempre encontrou na família apoio para todas as suas viagens marítimas.
Além da Vela, Rui também gosta de fazer ‘ski’.
“Ter no Faial uma Marina com o triplo da capacidade, é algo que valorizava os Açores e Portugal!”
Rui Simões Silva sabe e sente que “os Açores são terra que recebe bem” mesmo quando se verifica “alguma arrogância policial”.
Se a questão for: “o que falta no Faial”, atira de imediato: “A única coisa que faz falta é uma Marina maior, pois a actual já não é decente para a vida náutica que o Faial tem.
Estou no pontão mas levo com 4 barcos e a Marina está toda assim: mais do que esgotada!
Já podiam fazer uma Marina maior, pois não há falta de clientes. E depois cobravam às pessoas. Também vamos a França e pagamos. Façam disso um negócio! Não tenham dúvidas de que as pessoas pagam. Mas façam as coisas em condições.
Ter no Faial uma Marina com o triplo da capacidade é algo que valorizava os Açores e Portugal! Do início da cidade para cá, deveria ter um paredão grande.
Entendo que deveria ser uma aposta estratégica não só do governo açoriano mas também do governo português anunciar o seguinte: “Vamos fazer da Marina da Horta a mais importante do país no sentido de recepção atlântica, pois o Faial é o ponto de passagem dos barcos que vêm das Caraíbas, da América do Sul, da América do Norte, de todo aquele lado, e mesmo quem vem do Pacífico passa pelos Açores. Além do mais, esta ilha funciona como ponto de escala e de descanso. Quando os velejadores passam por aqui, já levam 11, 12, 13 dias de viagem e sabe bem descansar um dia ou dois.
Temos de olhar para os bons exemplos que são as marinas atlânticas espanholas e francesas. La Rochelle suporta 5.500 barcos. La Concepcion tem capacidade para 1.100 barcos e inicialmente jugava-se que era um elefante branco mas está cheia. Se há espaço, os barcos vão.
Nas Canárias – um Arquipélago como os Açores – não há falta de marinas e as mesmas são grandes! A marina de Las Palmas é 4 vezes maior do que a da Horta!
A ARC Global sai das Canárias e envolve 300 barcos à saída, o que seria impensável acontecer nos Açores e até mesmo em Lisboa, que não tem lugares disponíveis. Por isso é que a Organização da ARC Europe vai para Las Palmas, Lanzarote, etc.
A única que em Portugal teria espaço seria a marina de Vilamoura mas implicaria planeamento, porque não tem 300 lugares livres.
A Marina da Expo que era a tal marina, foi a vergonha que foi. Foi mal construída! É a vergonha da construção naval portuguesa. Gastaram-se milhões e milhões na Marina da Expo e está assoreada, caso contrário iria resolver muitos problemas”.
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